Um paradoxo com efeitos desastrosos governa aquilo que ainda resta da sociedade do trabalho: há cada vez menos trabalho, mas quem o tem está submetido a ele em excesso. Calcula-se que um trabalhador no século XXI trabalha mais tempo por ano do que um operário do século XIX (não esqueçamos que o ciclo das estações e dos dias e das noites determinava então, muito mais do que hoje, os horários de trabalho). Uma discussão séria sobre as vantagens de distribuir por mais pessoas a totalidade de trabalho existente (cabendo a cada pessoa um volume menor de trabalho do que aquele que se tornou o padrão actual) permanece encerrada em círculos académicos e nenhum político ousa trazê-la para o espaço público. E também nunca se notou que aqueles que têm trabalho estejam dispostos a começar a interrogar este regime. Continua-se a raciocinar nestes termos: a menos horas de trabalho corresponderá um salário menor, logo, nem pensar nisso. Parece que ninguém aceita que o princípio de que “tempo é dinheiro”, popularizado por Benjamin Franklin, deveria determinar o objectivo de ganhar tempo ao tempo perdido do trabalho. Há hoje muita gente (mesmo em lugares onde se presume que existem todos os instrumentos para resistir à “alienação”, por exemplo a Universidade) que aceita fazer trabalho não remunerado porque ficou dependente de uma lógica da expectativa e da promessa que governa a economia e o mundo social. E há os que estão de tal modo presos a um pensamento convencional e naturalizado do tempo de trabalho e do tempo livre, que nem se dão conta de que estão a pagar uma parte substancial do trabalho que fazem.
Trabalho, tempo, dinheiro – António Guerreiro
28 Quarta-feira Dez 2016
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