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Diz Carlyle na sua História da Revolução Francesa que as revoluções são sonhadas por idealistas, realizadas por «fanáticos» e quem delas sempre se aproveita são os arrivistas de todas as espécies.

(onde é que eu já vi isto?)

A História da Ucrânia, assim tomada à letra pelos seus melhores historiadores (quem quiser saber quem são, que os procure nos livros), também não é excepção. Em curto resumo, direi eu que a dita «revolução laranja» ucraniana, ocorrida há alguns anos, devidamente aplaudida e apoiada pela maioria dos países ocidentais, conduziu aquele povo – composto de etnias, religiões, culturas e línguas diversas -, a um regime de «uma coisa em forma de assim» democrático-oligárquico-capitalista. Isto é, um país que se transformou hoje num patético joguete de interesses alheios, onde não existem referências (morais, ideológicas ou outras) e, cujo projecto nacional subordina-se, unicamente, à ganhunça, onde sobram pouco mais que restos corrompidos. Um regime democrático-oligárquico-capitalista, no fundo, é sempre uma coisa muito pequena, onde a vasta maioria dos cidadãos não conta: compõe-se de um grupo de políticos, homens de estado, homens de negócios, homens de armas, e outros tantos de microfone em punho*, que vivem de frequentar a sua capital.

(onde é que eu já vi isto?)

Não sei até que ponto a responsabilidade caberá aos «arrivistas de todas as espécies» ou, pelo contrário, terá sido a corrupção de valores, fomentada por esse «regime democrático-oligárquico-capitalista», que lhes abriu a porta. O certo é que os ucranianos são hoje menos um povo menos livre, menos igual e menos fraterno que era ontem, e ontem menos do que tinha sido anteontem. À beira da bancarrota, com a população vivendo em níveis intoleráveis, dividida e fervendo em panela de pressão, o advento da Ucrânia, no século XXI, é uma choldra de conflitualidades, gerada no seio de antigos antagonismos e ódios, irracionais e vagos, tanto ou mais que as rivalidades de Estado, onde nenhuma congeneridade de ideia, de sentimento, de natureza, de temperamento, consegue colar a natureza das várias particularidades. A divisão da alma deste povo, aliás, define-se bem a si mesma pelos heróis que os ucranianos escolhem para amar e para cercar de lenda. Num país, onde metade dos ucranianos, os que se declaram genuinamente «naturais», proclamam como seus heróis – a América e a Europa – e adopta como primeira medida oficial da sua revolução, e isto resume tudo, a proibição da Língua Russa (falada pela outra metade dos ucranianos, que têm a Rússia como ascendência e, naturalmente, como sua heroína), dir-se-á, no mínimo, que o que move os ucranianos ditos «naturais», não são os cuidados da paz, mas antes os impulsos provocatórios das massas para a guerra interna.

(onde é que eu já vi isto?)

O drama ucraniano, pelo menos dos ditos «naturais», é que está metido num nó górdio e, até onde a vista alcança, não se vê nenhum panzer americano ou, pelo menos, um cowboy a cavalo, dirigindo-se para o leste da Europa. E esta, depois dos 11 mil milhões de euros da pronta «ajuda» financeira anunciada por Durão Barroso, logo mais fará chegar a factura à Ucrânia, com as respectivas taxas de juro.

(onde é que eu já vi isto?)

Quanto ao resto, acreditamos que os ditos ucranianos «naturais» reúnem todas as condições para integrar o chamado «rico clube europeu», pois também, por aquelas bandas, não se encontram dois povos genuinamente fraternos. A Europa ainda é a mesma «choldra ignóbil» dos tempos do Eça: o Alemão detesta o Russo. O Italiano abomina o Austríaco. O Francês execra o Alemão. E todos aborrecem o Inglês – que os despreza todos. No meio desta «choldra» europeia, o Ucraniano, dito «natural», logo ficará em linha. A linha é a mesma por onde vão, lentos e vagos, os «naturais» de Portugal, Grécia, Irlanda, Chipre, Hungria e todos os demais comuns povos, feitos patinhos seguindo o ganso europeu que, pata aqui, pata acolá, tanto os faz pairar de bico no ar, com as suas notas de empréstimo, como os enterra pelos caminhos da austeridade, numa fila grotesca, pesada, saltitante, correndo cada um, confiadamente, para um charco de merda lamacenta!

A demais, os comuns patinhos, à semelhança dos ucranianos ditos «naturais», «quando os mais são feitos em torresmos, / não matam os tiranos, / pedem mais». (Zeca Afonso)   

(onde é que eu já vi isto?)

Álvaro Couto, in Crónicas a Sul, 2014

*Entre eles, destaco o regresso, a Kiev, desse inenarrável tipo, chamado José Rodrigues dos Santos, que à míngua de comunistas  nas suas reportagens, descobriu agora que basta lhe aparecer um russo na rua, e logo aí está o fantasma das «velhas tácticas comunistas», com injecções atrás das orelhas e comendo criancianhas ao pequeno-almoço. Será que este patético homem, ainda não descobriu que «a realidade supera a sua ficção», como diz o meu camarada  e amigo Francisco Gonçalves!.